5 considerações sobre o aborto
A paciente quer abortar, e agora?
INTRODUÇÃO
A primeira coisa a ser considerada é a existência de uma hierarquia entre as normas e nenhuma delas está acima da Constituição Federal. De forma menos específica, é necessário saber que abaixo da Constituição Federal estão as leis e abaixo das leis as normas editadas pelos conselhos de classe, à exemplo do Código de Ética Médica (CEM).
Assim, se há conflito entre as normas editadas pelos conselhos de classe e as leis ou a constituição, então, a constituição e as leis prevalecem sobre as normas dos conselhos de classe.
Nossa Constituição garante a todo ser humano o direito à vida, dignidade, saúde e também direito do planejamento familiar. Em concordância, o CEM preceitua em seu 1º Capítulo (Princípios Fundamentais) que a medicina está a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e que toda atenção do médico deve ser voltada à saúde do ser humano.
O CEM também propõe que o médico sempre guardará respeito pelo ser humano e jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral e nem contra a dignidade e integridade do ser humano.
Neste sentido, atualmente, há um grande crescimento para atuação por meio da medicina integrativa, que percebe o paciente de forma holística, como corpo, mente e espírito e tudo isso deve ser considerado no atendimento de uma paciente gestante que deseja realizar o abortamento ou que já o praticou.
Penso que a medicina integrativa está em total acordo com os direitos à vida, dignidade e saúde, pois considerando que a saúde não é apenas a ausência de enfermidades, então a medicina integrativa busca a saúde integral do ser humano, o que concorre para alcançar uma vida digna.
Este assunto ainda pode gerar muita discussão saudável e nos levar a outros tópicos, mas hoje, nos concentraremos no atendimento da paciente gestante que pretende abortar.
5 CONSIDERAÇÕES SOBRE O ABORTAMENTO NO BRASIL
1- O QUE AS NORMAS DIZEM SOBRE O ABORTAMENTO?
Como regra o abortamento é proibido no Brasil. Na verdade, não somente é proibido, como é considerado crime.
Consta no nosso Código Penal, nos seus artigos 124 a 128 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm) hipóteses de ações abortivas que caracterizam crimes que podem ter como autor da ação criminosa a própria gestante ou terceiros (a exemplo dos médicos), ou seja, a prática do aborto pode gerar consequencias penais para a própria gestante e para o terceiro que pratica o aborto a pedido ou não da paciente.
Por outro lado, no próprio código penal, consta hipóteses em que a prática abortiva não é criminosa, sendo permitida pelo ordenamento jurídico o aborto praticado pelo médico nos casos em que não houver outro meio de salvar a vida da gestante e nos casos em que a gestação é fruto de estupro.
Além disso, pode-se constatar em pesquisa jurisprudencial, ou seja, decisões judiciais em casos reais, que o STF (Superior Tribunal de Justiça) também tem o entendimento de permitir e considerar legal a interrupção voluntária no primeiro trimestre de gestação e aquela realizada em situações de fetos com anencefalia.
2- O DEVER DE SIGILO E O ABORTAMENTO CRIMINOSO
Considerando que nem toda prática abortiva é criminosa, então, o médico obstetra deve tomar alguns cuidados no atendimento de pacientes que se envolvam nesta prática.
Se a paciente gestante chegar informando que praticou um aborto criminoso, o médico tem o dever de resguardar sigilo e não deve denunciar/relatar às autoridades competentes, respeitando o sigilo médico (cf. Cap I, XI e Cap IX do CEM e art. 154 do Código Penal), o princípio bioético da não-maleficência e os direitos à intimidade e confidencialidade do paciente.
3- O DEVER DE NOTIFICAR OS CASOS DE ESTUPRO
Por sua vez, se a paciente tiver sido vítima de estupro ou outro tipo de violência contra a mulher, tem o dever de relatar. Neste caso, o médico deve comunicar em até 24h as autoridades policiais, nos termos da Lei 13.931/19 que passa a valer a partir do dia 14 de abril de 2020, e as autoridades médicas, sendo hipótese de notificação compulsória.
4- O DIREITO DE OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA
Nos casos em que a paciente solicitar o aborto, o médico obstetra pode recusar a realizar o tratamento caso não queira, estando amparado pelo direito de objeção de consciência (cf. Cap I, VII e Cap II, IX do CEM), desde que não haja iminente risco à vida. Com risco à vida, se o médico negar prestar a devida assistência, pode incorrer no crime de omissão de socorro, além de estar sujeito à processos éticos perante os conselhos de classe.
5- CUIDADOS NO ATENDIMENTO À PACIENTE
No atendimento de pacientes que desejam proceder ao abortamento, o médico obstetra deve sempre bem informar a paciente sobre os tratamentos alternativos*, benefícios e riscos tanto do abortamento como dos demais tratamentos de forma clara e sem termos técnicos para que haja efetiva comunicação.
Além disso, o médico deve se atentar à elaboração dos documentos que a paciente deve assinar, com conteúdo sempre o mais completo possível e informando-a adequadamente para que não haja vícios e nulidades nos documentos que possam gerar alguma responsabilidade civil ou penal ao médico.
De acordo com a regulamentação do Ministério da Saúde, os documentos necessários para o abortamento são: Termo de Relato Circunstanciado, Parecer Técnico, Termo de Aprovação de Procedimento de Interrupção da Gravidez, Termo de Responsabilidade e Termo de Consentimento Livre e Esclarecido**.
NOTAS
* A sugestão seria informar sobre tratamentos alternativos porque, para que a paciente possa exercer seu direito de autonomia e tomar decisões conscientes e corretas, deve estar completamente informada de alternativas ao procedimento. Neste caso, o médico poderia sugerir tratamentos psicológicos e até mesmo acompanhamento ou aconselhamento religioso/espiritual, aplicando-se a medicina integrativa ao caso. Este procedimento pode evitar, inclusive, futuras complicações psicológicas e emocionais, que podem decorrer do abortamento, à gestante.
** Em que pese algumas regulamentações se referirem ao Termo que o paciente deve assinar para consentir ao procedimento/tratamento médico que será submetido como Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) de forma indistinta, tenho objeções com a nomenclatura, pois o TCLE, na verdade é destinado para pesquisas com seres humanos e deve ser assinado somente se o paciente estiver de acordo em se submeter à tais pesquisas, tratamentos experimentais, por exemplo. A nomenclatura correta seria o Termo de Consentimento Informado (TCI), que se destina à documentar a informação transmitida pelo médico e o consentimento do paciente nos casos de tratamentos eletivos.
Bárbara Martins de Oliveira Puerta
Categoria: Saúde
Publicado em: 13/12/2019